Vivemos em um mundo cada vez mais conectado, onde a pressa, que sempre foi inimiga da perfeição, acaba por ser um pré-requisito para qualquer atividade. Precisamos resolver tudo para ontem e, ainda assim, desejando que tudo saia perfeito.
Nesse contexto, a arte de projetar arquitetura vem se adaptando cada vez mais ao uso de novas tecnologias, aliás, que são muito bem vindas. Entretanto, parece que estamos deixando de lado o hábito de desenhar. Partindo dessa reflexão, decidi, juntamente com os meus alunos, iniciar um Ateliê de Representação de Projetos, uma vez por semana, fora dos horários de aula.
O Ateliê não é obrigatório, não “vale nota”, o que obviamente, a princípio, depende de um comprometimento espontâneo de um pequeno grupo de alunos. Desse modo, estabeleceu-se, no início, que essa seria uma iniciativa deles, onde, de forma colaborativa, daríamos inicio ao trabalho sem que houvesse um roteiro pré-estabelecido, fugindo de uma dinâmica de sala de aula que depende quase que exclusivamente do professor.
Na primeira quinzena, decidimos criar uma conta no Instagram chamada @uniske7ch para que a nossa, ainda, modesta produção pudesse ser divulgada para outros alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da nossa Instituição. O interessante foi notar que outros alunos começaram a se interessar pelo tema, através da internet, pelo resultado dos desenhos expostos na conta, produzidos logo ali na sala ao lado.
O importante desse cenário, é que todos nós passamos, nos momentos livres, a começar a riscar novamente, percebendo que pegar um lápis e um papel em branco tinha se tornado uma atividade esquecida. É normal constatar que, em disciplinas de Projeto Arquitetônico e Urbanístico, os alunos começam a projetar diretamente no CAD ou no BIM, sem que antes de usar o computador, reflitam sobre o projeto no velho papel em branco.
Dessa percepção, sentimos a importância da imersão e reflexão que acontece quando debruçamos sobre o papel para iniciar e desenvolver um projeto. Quando imergimos no projeto, trabalhamos mentalmente a escala, a proporção, as cores, as texturas, a iluminação ou a falta dela, tentamos encontrar as respostas para os porquês do projeto. Por mais que tenhamos softwares capazes de nos colocar “dentro do projeto”, este caminho reflexivo e reiterativo que vai da extensão do nosso cérebro até a ponta dos dedos, nos parece, a princípio, incomparável.
Deste grupo de alunos, que trabalham no ateliê, sem demérito dos demais, destacaria, neste momento, o Jorge Silva. Esse rapaz com nome brasileiríssimo e em condições brasileiríssimas de vida, como a falta de grana, a distância da casa para à faculdade que depende do ônibus lotado, entre tantos outros problemas, não foram empecilho para que ele alcançasse grandes resultados. O fato é que este rapaz descobriu, através da arquitetura, especialmente, do desenho, a si mesmo. Ele percebeu suas pontecialidades e competências por intermédio daquilo que se iniciou com um simples rabisco numa aula, sem grandes pretensões, mas que, aos poucos, foi revelando talento até então ocultos ou não percebidos.
Jorge tem alcançado resultados incríveis, através da renderização à mão da disciplina Projeto arquitetônico III, que consiste na elaboração de um prédio residencial multifamiliar.
Pedi pra que ele me resumisse em poucas palavras o que significava o desenho para ele e onde ele deseja chegar:
“Desde criança o desenho sempre teve um lugar importante na minha vida. E a profissão dos meus sonhos tinha que envolvê-lo no seu dia a dia. O que significa para mim? Minha liberdade, onde eu me expresso, crio e aprendo cada dia mais. O que mudou em minha vida após a dedicação à boa representação a mão? Reconhecimento e diferenciação, além de inspirar o próximo. Apoio, incentivo e investimento. A possibilidade de chegar onde eu almejo. A importância do incentivo... Logo que entrei na faculdade, dentre os primeiros trabalhos que realizei, um chamou atenção entre os demais, quando até mesmo os professores quiseram ficar com ele. E isso me deixou muito feliz, porém não foi igual ao que vem acontecendo comigo agora, onde cada dia mais ganho um novo incentivo e motivação para continuar evoluindo. Foi por ter alguém que investiu em mim e abriu os meus olhos para que os outros me vissem também. Foi pela primeira vez consegui ver lá longe, mas não mais tão distante, o futuro que eu sempre sonhei. Sonhos que venho realizando a cada dia, sonhos ainda pequenos, mas importantes para mim. Ver as pessoas que eu admiro, me elogiando é incrível e altamente inspirador e motivacional.”
Se utilizarmos a sua conta do Instagram como um termômetro, esta demonstra que ele conseguiu em pouco mais de uma semana mais de mil seguidores e mais de mil curtidas em uma única imagem. De todo modo, o Instagram é um termômetro para os demais alunos que o consideram alguém acima da média, como se ele detivesse algum tipo de dom divino que o destacasse.
Esse é o x da questão. Não há um dom divino que seja pré-requisito para atingirmos bons resultados. Alcançar um resultado parecido depende de debruçar horas e mais horas sobre o papel e significa abdicar, por exemplo, às vezes, de se divertir no fim de semana. O segredo é fazer do desenvolvimento e da representação do projeto uma atividade prazerosa.
A grande lição é que resultados inimagináveis estão literalmente nas mãos de qualquer arquiteto ou estudante de arquitetura, mas dependem de muito empenho e dedicação. É o momento em que nossos sonhos podem sair das nossas mãos.
Felipe Sardenberg é Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade Federal Fluminense. É professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário 7 de Setembro (Uni7 – Fortaleza), especialista em gestão de projetos e mestrando em administração. Sempre que pode, publica seus desenhos em seu perfil do Instagram: www.instagram.com/f.sardenberg/